quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Psicologia Jurídica

Psicologia do Testemunho
           
Sem dúvida, um dos grandes ramos referentes à composição da lide, mesmo que recente ao meio jurídico no que tange ao contexto histórico do ordenamento, figura-se a partir da aplicação dos métodos psicológicos, principalmente testemunhais, ao auxílio dos impasses nas decisões dos tribunais. Cada vez mais se faz uso desta prática nos resolução litígios por razão não só da má eficiência de alguns operadores do direito, mas também da trivialidade do erro jurídico, na falta então das noções psicológicas. Trabalho aqui com embasamento no texto de Jorge Trindade (2007) “Manual de Psicologia Jurídica” no qual o conciliamento entre a prática jurídica e a psicologia apresenta-se de forma clara e compenetrante.
            Primeiramente, como fator introdutório, o autor faz menção à distinção entre as formas de Percepção e Apercepção. Assim, aquela se trata de uma condição neutra, sem desejo, sem memória e sem compreensão de valoração individual, de existência abstrata. Logo, a apercepção agrega já um juízo de valor, a bagagem existencial e a experiência particular. Portanto, a realidade perceptiva (apercepção) advém dos fatos emergidos externamente, como informação contextual e detalhes sensoriais, e a realidade imaginativa (percepção) ascende dos fatos íntimos ao ser, expressões subjetivadas e fantasiosas.
            Sobre o fluxo do texto, apresentam-se, diferentemente das análises introspectivas, as contribuições da teoria gestáltica, sobre a percepção do caráter do campo como um todo, no qual o todo se torna distinto da soma das partes. Desta forma, esta teoria apresenta algumas maneiras de percepções, a saber, a proximidade, a similaridade, a direção, a disposição objetiva, o destino comum e, principalmente, a pregnância. Em razão do tratamento mais pormenorizado pelo autor, este último aspecto merece um zelo relevante. De forma a interpretar certas figuras ou fatos, de característica ambígua, vemos tais de um modo tão “bom” quanto possível, sob as condições de estímulo, e de acordo com o estado mental do indivíduo. Portanto, se a pessoa está frente a momentos de estresse ou medo, pode analisar a situação de forma diferente, a logo deixar resquícios de nebuloso e não claros em certos depoimentos.

Contribuições para Psicopatologia
            Sem dúvida, para tratarmos com maior detalhe todos os aspectos que a psicologia do testemunho auxilia e aborda sobre o campo jurídico, torna-se de total pertinência tratar sobre, como o próprio subtítulo afere, as doenças psicológicas que levam os indivíduos, muitas vezes, a agirem de forma anormal perante sua sanidade mental de acordo com as funções de uma das instâncias psíquicas da personalidade - o ego.

Sensopercepção
            “Capacidade de perceber e interpretar os estímulos que se apresentam aos órgãos dos sentidos”. Esta função, por primeiro, congrega além das cinco sentidos sensoriais, a percepção propriamente dita, a qual consiste de um amadurecimento complexo, com componentes psicológicos e sociais. Dentre os prejuízos causados por doenças mentais deste tipo, as mais comuns são de Ilusão e Alucinação. Em primeira análise, as duas parecem assemelhar-se, porém, existe uma profunda diferença entre ambas. A primeira, por si, tem como característica a distorção dos fatos acerca de objetos reais existente. Já a segunda, a imaginação toma conta e há a percepção de um estímulo sem sua presença realmente, de maneira fantasiosa. Outros males também assombram este tópico, como Hipo e Hiperestesia, Alucinose e Analgesia. Portanto, torna-se fundamental perceber o quanto estes prejuízos podem dificultar não só o indivíduo no testemunho dos fatos, o qual não contribuiria com nada para o esclarecimento, pois se terá contaminado pela fantasia ou equívocos, como a compreensão das autoridades jurídicas em definir uma sanção.

Atenção
            “Faculdade de manter o foco em uma determinada atividade seletiva”. Ao tratar sobre este aspecto, fala-se em distraibilidade como a incapacidade fixar a atenção em certo estímulo, em termos patológicos, Hipoprosexia. Esta característica pode ser presenciada por aqueles que padecem de depressão, falta de tenacidade ou vigilância. Por outro lado, tem-se o inverso, a Hiperprosexia, que se fundamenta na grande atenção frente a um estímulo, em ocasiões de perigo iminente ou trabalho que exija muito rigor.  Portanto, a tratar da primeira característica em conciliamento ao ramo do direito, podemos analisar que a distração poderá acarretar dificuldades no momento do indivíduo referir sobre um acontecimento que presenciou como testemunho, e logo se toma partido de que as informações possivelmente dadas por esta pessoas carecem de detalhes, são pobres e eventualmente equivocadas.

Orientação
            “É a capacidade de orientar-se quanto ao tempo, espaço, e quanto a si mesmo”. Existem, primeiramente, dois tipos de orientação: a autopsíquica, que permite uma crítica correta em relação à condição da própria pessoa; e a alopsíquica, do sujeito com o meio externo que o circunda. Logo, um sujeito desorientado, seja por quaisquer destas maneiras, possuirá dificuldades de testemunhar sobre os fatos, pois a confusão toma-o e seu depoimento não é tido com validez e sensatez.


Consciência
            “Capacidade do indivíduo de reconhecer as realidades externa e interna”. As alterações de consciência não são raras. Expressam a capacidade do indivíduo de perceber e raciocinar as diversas circunstâncias do meio. Em propósito de exemplificação, podemos citar alguns tipos de alterações, a saber, nível comatoso (estado de vida vegetativa); confusional ou de obnubilação (existe a confusão de percepções, imprecisões e distorção de reconhecimentos); onírico (estado fantasioso e semelhante ao sonho, carece de pormenores, porém não abstrai dos acontecimentos reais); crepuscular (de forma semelhante à ilusão, substitui os objetos reais por formas falsas, sob a compreensão do mundo de forma parcial ou errônea); e vigília normal (corresponde à lucidez).

Pensamento
            “Corresponde ao conjunto de funções capazes de associar conhecimento novos e antigos, integrar estímulos, criar, analisar, abstrair”.  Esta função do sistema psíquico, de certa forma, organiza os as lembranças que a memória está encarregada de zelar. Portanto, o pensamento acerca três características:
a)      Origem: pode ser lógico, quando associado à causalidade que os fenômenos possuem, e mágico, quando regido por processo primário, irracional. Ex.: faz-se um rito para ir bem em uma prova (mágico); estuda-se para ir bem na prova (lógico).
b)      Curso: caminho e velocidade de associação
c)      Conteúdo: assunto, tema do pensamento.
Logo, a tratar dos distúrbios de pensamento, começamos com sobre as idéias de referência, situação a qual o indivíduo começar a achar que os acontecimentos exteriores estão sempre relacionados à sua pessoa. Outros prejuízos tratam-se das fobias diversas, a fuga de idéias, bloqueio de pensamento, autismo, psicótico, incoerência e falta de juízo crítico. Portanto, a ressaltar então a fuga de idéias como distúrbio mais freqüente nos tribunais, conhecido popularmente como “branco”, no qual a testemunha frente à autoridade judiciária esquece-se sobre o raciocínio, e não logra expressar-se, prejudicando o réu. Logo ao sair da sala, o conteúdo parece voltar a claro.


Linguagem
           
            “Conjunto de sinais convencionais, que podem ser orais, escritos ou numéricos, pelos quais exprimimos nossas necessidades, emoções, desejos e pensamentos, designamos e damos o nome às coisas”. A linguagem, primeiramente, por ser uma forma de expressão de sentimentos e pensamentos, a patologia dessas funções também a alteram. As formas mais triviais de males a esta função destacamos a taquilalia (linguagem rápida, causada pela ansiedade freqüentemente após choques intensos na qual o indivíduo acaba por comer as palavras, a dificultar a compreensão da fala) e a bradilalia (linguagem lenta, apresentada por estados de depressão e melancolia, devido, muitas vezes, pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas). Existem outros distúrbios importantes da linguagem, porém não tão comuns como neologismos (criação de novas palavras que não servem para se comunicar), ecolalias (repetição da ultima palavra do interlocutor), Perseveração (repetição persistente de uma palavra), Prolixidade ou Logorréia (detenção a detalhes que não servem para esclarecer, mas sim causar confusão), afasia (ausência de linguagem) e Mussitação (expressão da palavra em voz muito baixa).

Inteligência
            “Capacidade geral de aproveitar a experiência, adquirir conhecimento e adaptar-se às mudanças do ambiente”. A inteligência, por si, possui componentes biológicos, genéticos, ambientais, inatos e estimulacionais. Acredita-se que, principalmente na infância, os aspectos relacionados ao afeto e a alimentação adequada estejam diretamente ligados a questão da inteligência e, por tal razão, a falta desses pode acarretar em diversos distúrbios. As alterações da inteligência são chamadas de deficiências mentais, podem caracterizar-se por leve, média e aguda, sendo considerada já como distúrbio a partir da medição de um Q.I abaixo de 70. Portanto, pessoas com baixos níveis de inteligência encontram, amiúde, dificuldades para relatar fatos, seja como testemunho ou outra função jurídica qualquer. No plano do Direito Penal, esse distúrbio pode acarretar em inimputabilidade ou semi-imputabilidade, o artigo 26, caput, em seu parágrafo único do Código Penal revela que o indivíduo portador de deficiência mental torna-se incapaz de possuir condição de testemunhar. No âmbito do Direito Civil, de acordo com sua severidade, o distúrbio de inteligência pode implicar em anulação dos atos jurídicos a partir do momento em que o indivíduo não consiga reunir condições mínimas para gerir sua própria pessoa.

Afeto
            “Entende-se por afetividade o conjunto de fenômenos que se manifestam sob a forma de emoções, sentimentos, paixões, acompanhados da tonalidade da dor ou prazer, satisfação ou insatisfação, agrado ou desagrado, alegria ou tristeza”. O afeto pode ser visto de duas maneiras, positivas ou negativas. Aquela, caracterizada por ânimos que expressem saudade, carinho, compaixão e a outra por um humor que se direciona para pessimismo, raiva, mesmo pelas coisas boas da vida. Um dos piores males que acompanha e recrudesce concomitantemente a evolução humana revela-se freqüente hoje no cotidiano de muitas pessoas – a depressão. Além de estar relacionada às más condições de vida, está direcionada, principalmente, Às condições subjetivas de sentir e vivenciar a realidade objetiva, após mudanças substanciais. De qualquer forma, compreender a depressão e o sujeito deprimido é fundamental para interpretar como a pessoa, nessas condições, percebe os fatos que acontecem ao seu redor, no caso de ter de testemunhá-los. O modo cinzento de ver o mundo facilmente poderá contaminar seus depoimentos. Outro grande problema a respeito do afeto e alterações de humor caracteriza-se por aqueles indivíduos que possuem, ao contrário do baixo astral, a euforia. Muitos crimes, principalmente que se enquadram como passionais, são perpetrados nessas condições emocionais, que, psicologicamente, recebem o nome de estados maníacos.

Conduta
            “Uma função adaptativa fundamental do ser humano. Todo impulso tente a ter uma expressão a uma manifestação de conduta”. Caracteriza-se este tópico pela tendência da ação, caráter conativo da personalidade. As principais alterações de condutas são de Hiperatividade, Agitação Psicomotora, Hipoatividade, Automatismo, Conduta Agressiva, Conduta Bizarra, Tentativa de Suicídio e Catalepsia. É importante sublinhar que a conduta ou o comportamento sempre estará alterado quando o sujeito cometer um delito.  O crime revela-se uma alteração de conduta, talvez, a mais grave. A agressividade e a impulsividade sem controle, ao lado da ausência de sentimento de compaixão, são importantes características presentes nos indivíduos anti-sociais, psicopatas e delinqüentes.

Memória
            “A memória define-se a partir de suas quatro etapas, pois é a capacidade de fixar, conservar, evocar e reconhecer os acontecimentos”. Como um das funções mais importante de nosso sistema psíquico, a memória consiste na fixação de associações de um fenômeno passado e conhecido ou evocado e um novo fenômeno, pois a memória é incapaz de guardar aquilo que lhe é totalmente desconhecido. A conservação dos acontecimentos se dispõe em forma de compartimento de acordo com a realização dos eventos e o nível de choque que cada evento proporcionou estabelece a ordem de recordação. As experiências afetivas são as de maior facilidade de fixação do que os fatos indiferentes. Existe uma forma de memória imediata, denominada bioelétrica, que está relacionada a guardar fatos recentes, e uma mediata, bioquímica, que tem por função lembrar fatos retrógrados, do passado.
            Sobre as questões patológicas referentes à memória, destacamos algumas alterações significativas que merecem atenção, a saber, Amnésia (perda completa de memória), Anterógrada (o indivíduo não consegue fixar elemento a partir de um dano cerebral), Retrógrada (desaparecimento de lembranças antigas, há muito fixadas na memória – o Alzheimer está de acordo com esta alteração), Ilusões mnêmicas (deformação da memória por acréscimo de elemento errôneos), Alucinações mnêmicas (criações imaginativas com aparência de lembranças), Fabulações (substituição de uma representação memorial por outro fantasioso e mentiroso). Dentre outras alterações, destacamos as paramnésias, que correspondem a lembranças distorcidas. No caso daquelas que você percebe já ter visto tal lugar ou alguma situação, denomina-se deja-vú. Nas situações em que você já esteve em várias vezes em tal lugar ou situação e, por falha, não se lembra de ter então freqüentado, chama-se jamais-vú.
            Portanto, como se pode analisar, a memória revela-se fundamental para o direito, seja na coleta de informações das testemunhas, seja para julgar tal caso. Se a memória falha, a impossibilidade de remontar a história dos fatos torna-se real.  A prova dos fatos não é o próprio fato, pois após o acontecimento ele mesmo se consome. Assim se serve a memória dos fatos para designar a prova, seja ela de que natureza for.  

Falsas Memórias
            “Sumariamente, a distinção resume-se ao fato de que as falsas memórias serem uma crença de que um fato aconteceu sem realmente ter ocorrido”. Ao tratar deste tópico, destacamos o grande interesse do próprio pela arena judicial nos últimos anos, pois tem há muito vem se tentando recuperar casos que não obter resolução e acabaram por ser arquivados, sendo as vítimas não justiçadas e a espera de uma clareza sobre sua tragédia ou evento traumático. Tem-se grande zelo ao tratar da Síndrome de Falsas Memórias no que tange a confusão com as memórias redobradas. A primeira você evoca suas lembranças de maneira retorcidas ou diferente, e acredita com veemência; já na outra, após certo período de esquecimento, voltam à tona como lembranças realmente verídicas. Resumidamente, esta síndrome tem tido maior utilização e evocação para anular depoimentos ou colocar em descrédito, especialmente produzidos por vítimas de grupos minoritários, mulheres e crianças. Portanto, a discussão sobre esse tema ainda está com relevância no sistema jurídico, principalmente pela falta de exatidão ao perceber se o indivíduo testemunho possui tal distúrbio ou não. Por outro lado, sabe-se que as recordações originais não fenecem de maiores informações e detalhes sensoriais, enquanto as recordações falsas integram informações idiossincráticas da pessoa e são mais subjetivos. Porém, este critério sofre do mesmo mal: também é subjetivo. 

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